Obra da transposição modifica jeito de viver no interior de PE e PB
Centenas de sertanejos tiveram que abrir mão de suas terras, animais e  plantações ao longo dos 700 quilômetros de extensão por onde vai passar  a transposição do Rio São Francisco. Desde 2010 o trabalho estancou e a  vida das pessoas também. Há cinco anos, elas receberam a visita de  equipes do projeto da transposição e combinaram o valor das  indenizações. Algumas negociaram terreno, cerca, benfeitorias em geral e  também receberam pela própria casa. Outras preferiram trocar a casa no  sítio por uma nas vilas produtivas rurais que seriam construídas.
O açude da família do agricultor José Hélio de Souza terminou  dividido em dois – a quantidade de água ficou reduzida a 40% e a fábrica  de rapadura, fundada há noventa anos, quase fecha. “A gente precisa da  água pra irrigar a cana, a gente sobrevive da rapadura. O que eu peço é  que eles tomem providências sobre esse açude que há mais de 150 anos meu  avô, o pai, tanto trabalharam pra deixar aí pra gente e hoje tá sendo  coberto por pedra”, afirma. As terras de José Hélio ficam no lote 7 de  transposição, em São José de Piranhas, na Paraíba. Nesse ponto, a obra  avançou apenas 15%.
O agricultor Francisco Miguel de Souza nasceu na comunidade do Riacho  da Boa Vista, que vai desaparecer para dar lugar a uma barragem. Ele  espera a casa na vila, da qual não tem notícia – quando negociou a  propriedade com o governo, teria sido orientado a não reformar nem  plantar. “Se nós for fazer, perde a benfeitoria que for pra fazer nessa  casa”, explica. O agricultor João Alves de Souza reforça: “Tá com cinco  anos que nós não colocamos roça, nem tem milho, nem feijão, nem arroz,  nem dia de serviço. Vivendo assim só com o poder de Deus”, se queixa.
Isolamento – Com a migração das pessoas para o  centro, foi chegando a sensação de isolamento nos povoados. Em um local  onde havia dezoito famílias, restaram somente quatro, deixando os dias  cheios de incerteza e insegurança. “Eu tenho medo por causa desse  negócio de assaltante, essas coisa, né? É meio perigoso”, conta o  agricultor José Firmino. O agricultor aposentado José Florêncio do  Nascimento é viúvo e mora sozinho em uma casa de taipa. Ele gastou o  dinheiro da indenização com um tratamento de saúde e não vê a hora de se  mudar. “Com 20 reais aqui o cara tem medo de sair de casa. O povo aqui  carrega bicho, quem tem bicho aí nos terreiros – eu não, que eu não crio  nada”, relata.
As estradas também vão ficando desertas. Com menos moradores, menos  vida nos sítios, o transporte praticamente desapareceu. A dezoito  quilômetros do centro da cidade, quem ainda não conseguiu se mudar se  sente desamparado. Como o agricultor Francisco Miguel de Souza. “Só tem  carro aqui na segunda-feira pra gente ir pra cidade. O carro vem buscar e  vem deixar, mas é particular, a passagem é 7 reais. E se chegar a  adoecer uma pessoa, enquanto for ligar pra vir um carro, e for caso de  urgência, a pessoa tem morrido, quando chegar aqui”, conta ele.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São José de Piranhas tem sido  procurado por agricultores que não sabem o que fazer. No centro da  cidade, as casas se valorizaram por causa da mudança do pessoal dos  sítios. “Os imóveis estão sendo superfaturados, os aluguéis aumentaram  valores, não têm condições de vir pra cidade”, explica a tesoureira do  Sindicato, Gerlândia Vieira de Moraes.
O agricultor e servente de pedreiro Edilson Alecrim Lopes preferiu  aceitar o auxílio de R$ 1.274 para alugar uma casa, mas se organizou  para comprar uma casa no centro. “O aluguel é muito bom, mas pode  demorar muito e o serviço parou ali, ninguém tem certeza se vai sair,  quando, até onde vai, pode passar dois anos sem sair, recebendo esse  dinheiro num momento pode ser cortado”, reflete.
Vilas produtivas – No município de Salgueiro, em  Pernambuco, a reportagem encontrou famílias mais tranquilas. Elas estão  aplicando o dinheiro para ampliar a casa de três quartos que receberam  nas vilas produtivas rurais. Dezessete vilas estão no projeto da  transposição segundo o Ministério da Integração. Cinco estão em fase de  conclusão, sete em processo de licitação e cinco foram concluídas, todas  em Pernambuco.
Uma delas é a vila Uri, que tem escola, posto de saúde e 45  propriedades. O terreno tem 50 metros por 100 e a casa, 99 metros  quadrados. A família da agricultora Maria de Lurdes dos Santos se mudou  em peso pra o local, cada irmão em uma casa. Os primos brincam juntos.  “Eu achei ótimo, achei bom demais. Outra coisa que lá a gente morava  dentro da casa dos meus pais e hoje eu tenho minha casa”, comemora.
Já a agricultora Maria Bernardino dos Santos aguarda a entrega de um  lote de cinco hectares prometido pelo governo para o marido trabalhar.  Ele cria alguns animais em outra área. “Na época da mudança aqui não  tinha o local pra criar, aí meu esposo Francisco Salvador teve que  vender os animais e ficamos aqui um bom tempo aí. Tem dois meses que ele  comprou uma propriedade ali ao lado do aterro sanitário e tá arrumando,  aí começou a criar novamente, hoje a gente já tem 10 vacas, temos  ovelha, temos avestruz e estamos iniciando”, enumera. O plano dela é  trazer os animais para dentro do lote que vai receber.
De acordo com o Ministério da Integração, 886 famílias receberão  casas nas vilas produtivas rurais. As que ainda esperam casas recebem,  além da transferência temporária de aproximadamente R$ 1.200, um valor  adicional de R$ 45,74 por hectare de terra que exploravam e um auxílio  de R$ 813,00 para fazer a mudança.
O Ministério diz ainda, em nota, que, enquanto não têm as terras  solicitadas pelas construtoras, podem continuar plantando e criando  animais. Por já ter sido desapropriada, a terra não pode ser vendida. As  famílias que não conseguiram se cadastrar podem entrar em contato com a  ouvidoria do Ministério da Integração pelo número 0800-610021. (Fonte: G1)
 
 
 
 


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